Qualidade do carvão vegetal e consumo específico na usina

O Brasil é o maior produtor de carvão vegetal do mundo para fins industriais, principalmente para atendimento ao processo de produção de ferro gusa. Esse insumo se trata de uma fonte sustentável de carbono para redução do minério de ferro, visto que sua matéria prima é proveniente de florestas plantadas que sequestram carbono da atmosfera durante o crescimento. A substituição do coque pelo carvão vegetal é uma excelente forma de reduzir as emissões de gases de efeito estufa por tonelada de gusa produzida, no entanto, há de atender uma série de parâmetros de qualidade para que seja competitivo.

Enquanto fornecedores (internos ou externos) de carvão vegetal devemos nos preocupar com a qualidade do nosso produto, ou seja, entregar um insumo que atenda às necessidades do cliente. Para que o processo siderúrgico seja competitivo é imprescindível que ele seja eficiente operacionalmente e em capacidade redutora, isso implica em otimizar o uso de seus recursos e matéria prima. Quanto menor for a quantidade de carvão vegetal empregada no processo para produção de cada tonelada de ferro gusa menor será o consumo especifico e maior a produtividade do alto forno. O consumo específico pode ser expresso em tonelada de carvão vegetal por tonelada de gusa ou metro cúbico de carvão (MDC) por tonelada de gusa.

Perfil de um alto-forno, equipamento de produção de ferro gusa. Adaptado de Geerdes (2009).

Muitos são os parâmetros que influenciam o consumo específico de carvão vegetal, com destaque a densidade a granel, granulometria média, carbono fixo e teor de umidade, conforme será discutido abaixo.

  1. Umidade

Se trata do percentual de massa de água presente no carvão em relação a sua massa seca. Esse parâmetro de qualidade tem influência direta na eficiência energética do processo siderúrgico, uma vez que será requisitada maior quantidade de energia para evaporar a água presente na carga. Além de reduzir a resistência mecânica do carvão vegetal, propiciando maior geração de finos.

Por ser um material higroscópico o carvão pode adsorver água do meio. Porém o maior teor de água presente no carvão provém da água utilizada no combate a focos de fogo durante a etapa de descarregamento dos fornos de carbonização,  além disso, a alta umidade pode ocorrer nos períodos das chuvas, podendo o carvão molhar tanto na etapa de descarregamento quanto de armazenamento e transporte, caso o mesmo esteja desprotegido, contribuindo para o aumento de sua umidade.

  1. Granulometria

Diz respeito ao tamanho das peças de carvão presentes na carga, sendo medida por meio de agitação em um conjunto de peneiras com diferentes tamanhos de malhas e posterior pesagem da fração retida em cada peneira. Geralmente utiliza duas métricas para aferir a granulometria, que são o tamanho médio que é uma espécie de média ponderada das frações presentes em cada tamanho de malha, e o teor de finos que representa a porcentagem do carvão com tamanho inferior ao da última e menor malha do conjunto. Para o processo siderúrgico é recomendado maior tamanho médio e menor o teor de finos, essa combinação permite a melhor permeabilidade na carga do alto-forno permitindo que os gases percorram o leito do carvão com maior facilidade garantindo eficiente processo de redução do minério de ferro.

A granulometria é influenciada diretamente pela qualidade da madeira utilizada para produção do carvão vegetal, além do controle do processo, sendo preferível madeiras de maior densidade e menor teor de umidade e relação cerne/alburno para produzir um carvão menos friável e consequentemente com melhor granulometria, visto que após a descarga o carvão passará por várias etapas de movimentação, como transporte, carregamento e descarregamento das carretas, peneiramento e deslocamento na usina, que promoverão o seu fracionamento.

  1. Densidade

Também chamado de massa específica esse parâmetro se trata da massa distribuída em determinado volume de carvão, nas usinas é comumente medido como densidade a granel, dividindo o peso do carvão presente nas carretas pelo seu volume. O emprego de um carvão vegetal de maior densidade reduz o consumo específico devido a diversos fatores como: maior massa de carbono por unidade de volume, maior permeabilidade de carga, maior resistência mecânica que possibilita maior carregamento de carga metálica.

Tabela representando a redução do consumo específico em função do aumento da densidade a granel do carvão vegetal. Considerando um teor de carbono fixo de 75% e um consumo de 470 kg de carbono fixo por tonelada de gusa.

A densidade a granel do carvão vegetal, pode ser mascarada pela granulometria do mesmo, muitas vezes devido a friabilidade do material, durante o transporte até a usina ele se quebra diminuindo sua granulometria e reduzindo a quantidade de espaços vazios na carga, dessa forma sua densidade a granel aumenta, mesmo sua densidade aparente (que não contabiliza os espaços vazios entre as peças) permanecendo baixa. A umidade do carvão vegetal é o outro fator que afeta a medição correta da densidade. A densidade aparente do carvão é altamente correlacionada a densidade básica da madeira que o originou, e também é influenciada pelo controle do processo de carbonização, sendo esses dois fatores aliados na obtenção de um carvão mais denso e adequado para o uso siderúrgico.

  1. Carbono fixo

Esse último, mas não menos importante, parâmetro de qualidade se trata de uma característica química do material. O carbono fixo representa o teor de carbono residual presente no carvão após a retirada dos seus materiais voláteis e cinzas. Ele possui relação com o poder calorífico superior e carbono elementar do carvão, portanto, nos auxilia a compreender a quantidade de carbono por tonelada de material, quanto maior a quantidade de carbono maior é a capacidade redutora do carvão, tendo como consequência redução do seu consumo específico.

Tabela representando a redução do consumo específico em função do aumento do teor de carbono fixo do carvão vegetal. Considerando uma densidade a granel de 224 kg/m³ e um consumo de 470 kg de carbono fixo por tonelada de gusa.

Durante o processo de carbonização a madeira é submetida ao aquecimento retirando parte de seus materiais voláteis e concentrando carbono fixo, tendo seus valores em função da taxa de aquecimento e temperatura final de processo. Porém, muito cuidado deve ser tomado, pois ao retirar os voláteis da madeira sua massa é perdida em forma de gases, dessa forma quanto maior é o carbono fixo do produto menor será o rendimento gravimétrico da carbonização.

É importante analisarmos nosso produto para que desvios sejam controlados e o consumidor final continue satisfeito com a matéria prima fornecida. Os 4 parâmetros de qualidade aqui citados são de simples aferição e já é praticada a sua medição rotineiramente no setor siderúrgico. Propriedades da madeira levam tempo para serem melhoradas, porém o controle do processo pode ser inserido no operacional e trazer ganhos com menor tempo trazendo retorno para a qualidade do produto e consequentemente para o consumidor final, dessa forma fortalecendo a cadeia como um todo.

Teses e dissertações relacionadas a qualidade do carvão vegetal e uso siderúrgico:

Influência da densidade do carvão vegetal na produção de ferro gusa

Qualidade da madeira de Eucalyptus para produção de carvão vegetal

Relação água-carvão vegetal de eucalipto produzido em diferentes temperaturas

Referência 

Geerdes, M, Toxopeus, H, Vliet, C. V. D. Modern blast furnace ironmaking— an introduction. 2 nd ed. Amsterdam: IOS Press BV; 2009.