A restauração do ponto de vista econômico

O conhecimento em restauração florestal construído nos últimos anos tem auxiliado em desconstruir a imagem desta atividade como apenas um custo para a empresa, mas sim como um investimento. O custo passa a ser considerado investimento quando, por exemplo, uma determinada empresa consegue certificação para exportação de seus produtos por estar promovendo a restauração de suas APPs, entre outras ações na área ambiental. Assim, fica cada vez mais fica clara a importância de restaurar os ecossistemas nativos, em especial a floresta, para garantir uma boa qualidade de vida para a geração atual e gerações futuras e como uma estratégia de mercado.

Restaurar é a oportunidade de obter de volta os benefícios ecológicos da floresta que foi convertida para outros usos no passado. Estes benefícios, relacionados à conservação de água e solo, fixação de carbono e conservação de biodiversidade, por exemplo, podem ser valorados economicamente, como demonstrado pelas iniciativas de pagamentos por serviços ambientais. Existem iniciativas estabelecidas no país e inclusive intenções de empresas florestais em solidificar esse mercado. Contudo, essa mensuração ainda ocorre de maneira tímida no cenário nacional frente ao seu potencial e o valor econômico pode ser entendido como indireto.

A restauração florestal no Brasil hoje é conduzida de diferentes maneiras, como o reflorestamento heterogêneo com espécies nativas, o uso de técnicas de nucleação, a semeadura direta (muvuca) e a regeneração natural. Na maior parte dos casos, é visado o estabelecimento de espécies nativas devido à sua importância ecológica, tendo papel essencial na formação da estrutura da floresta e manutenção dos demais grupos de espécies dependentes do ecossistema florestal.

Mas existe alguma forma de obter retorno econômico direto com a restauração?

Sim, existe!

As espécies nativas têm mais a oferecer que apenas os benefícios ecológicos, como produtos madeireiros e não-madeireiros e, em determinadas situações, podem ser inclusive associadas com espécies exóticas. Por isso, é importante compreender quando estas oportunidades se aplicam e quais são os modelos mais adequados, os quais vão variar de acordo com aspectos legais da área em restauração, dos interesses do executor e dos recursos disponíveis, entre outros fatores.

O principal caso onde a restauração pode gerar retorno econômico é na recomposição de Reserva Legal (RL). De acordo com a Lei nº 12.651 de maio de 2012 (conhecida como Código Florestal), a RL é definida como a “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural (…) com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.

Como destacado, a RL prevê o uso econômico sustentável ao mesmo passo que promove a conversação dos serviços ecossistêmicos. O percentual mínimo de RL é de 80% em imóveis situados em área de florestas da Amazônia Legal, 35% em imóveis situados em área de cerrado da Amazônia Legal e de 20% nos imóveis das demais regiões do país.

Quando o imóvel rural, exceto pequenos imóveis, tem menos cobertura de vegetação nativa que o mínimo estabelecido, o Código Florestal determina que a recomposição de RL “poderá ser realizada mediante o plantio intercalado de espécies nativas com exóticas ou frutíferas, em sistema agroflorestal”, desde que o plantio de espécies exóticas seja combinado com as espécies nativas de ocorrência regional e que a área recomposta com espécies exóticas não exceda 50% da área total a ser recuperada.

A recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) para pequena propriedade ou posse rural familiar também pode ser feita através do plantio intercalado de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo exóticas com nativas de ocorrência regional, em até 50% da área total a ser recomposta.

Modelos de restauração produtiva

Diferentes executores da restauração possuem diferentes frentes de negócio e isto impacta diretamente no modelo de restauração que poderá ser instalado na área de interesse. Nesta matéria, nós trazemos dois modelos como exemplo:

  • Sistema agroflorestal taungya modificado

Os sistemas agroflorestais são aqueles que associam espécies lenhosas perenes com culturas agrícolas em um determinado arranjo espacial e temporal, baseando-se nos benefícios econômicos, sociais e ecológicos que podem ser obtidos das interações entre essas plantas. Existem vários tipos de sistemas agroflorestais, sendo que o taungya se destaca para uso na restauração de florestas.

O sistema taungya consiste no cultivo de culturas agrícolas (como milho e feijão, entre outras) nas entrelinhas de plantios florestais nos primeiros anos, quando a área ainda está aberta, com grande disponibilidade de luz e pouca competição. As espécies florestais se beneficiam dos tratos culturais realizados nas culturas agrícolas, como calagem e adubação, e essas geram renda no curto prazo.

Este sistema foi inicialmente pensado nos povoamentos florestais com fins comerciais, visto que o desenvolvimento destas espécies é lento e o cultivo nas entrelinhas podem potencializar o uso do solo nos anos iniciais. Por isso tem sido utilizado o termo “taungya modificado” para sua aplicação na restauração florestal, que pode ser muito interessante para produtores rurais, para quem a venda da produção pode cobrir os custos da implantação da restauração.

Exemplo de modelo de restauração produtiva: taungya modificado

  • Plantio misto de espécies florestais nativas e exóticas

Outro modelo possível é o plantio de espécies nativas e exóticas em linhas alternadas visando a produção de madeira. Para utilizar este modelo, é importante que as espécies exóticas não apresentem potencial invasor, pois auxiliar na conservação da biodiversidade é uma das finalidades da RL.

Uma boa possibilidade é associar o plantio de espécies nativas com o eucalipto. O eucalipto possui um rápido crescimento, o que auxilia na proteção do solo, deposição de material orgânico e sombreamento de áreas com braquiária. Este modelo pode ser o ideal para empresas que fazem o uso da madeira do eucalipto para celulose ou carvão, conciliando assim a produção de matéria prima com a redução do custo da restauração.

Um ponto de atenção para este modelo é a avaliação dos danos da colheita do eucalipto sobre as espécies nativas plantadas e regenerantes. Por isso, sua estruturação deve ser feita tendo em vista o método de colheita utilizado e a minimização dos danos, utilizando linhas duplas ou triplas, ou faixas com várias linhas, por exemplo. A resposta das espécies nativas e a trajetória do ecossistema em longo prazo após a retirada do eucalipto ainda são questões que devem ser alvo de estudos, para verificar o impacto sobre a cobertura florestal e regeneração natural, por exemplo. O ideal é que a retirada das exóticas seja um fator que favoreça o desenvolvimento das espécies nativas e que a melhoria das condições do solo tenham impacto positivo em catalisar indivíduos alóctones.

Exemplo de modelo de restauração produtiva: plantio misto de nativas e exóticas

Além desses dois exemplos, existem diversos tipos de modelos com possíveis aplicações em RL e que podem ter a restauração como objetivo final e com o potencial de amortizar o custo de implantação. O eucalipto pode ser substituído por espécies de ciclo longo, como o mogno-africano (Khaya ivorensis), por exemplo, cuja madeira poderia ser destinada a produtos de alto valor agregado. Também podem ser explorados produtos não-madeireiros, como sementes, frutos, gomas, resinas, entre outros.

Outra alternativa que vem ganhando força atualmente no Brasil é a produção de madeiras nobres de espécies nativas, também chamada de silvicultura de nativas. Na nossa rica flora existem diversas espécies arbóreas com grande potencial para produção de madeira serrada para os mais variados fins, como madeira para construção civil, laminados, móveis, entre outros. O manejo dessas espécies no contexto da restauração produtiva deve ser realizado de forma a ser permanente e sustentável.

Um aspecto importante também dessas atividades é a possibilidade de criação de uma cadeia produtiva da restauração, que envolve desde a coleta de sementes,  produção das mudas até a comercialização dos produtos madeireiros e não-madeireiros.

Fica evidente que muitas são as oportunidades de pesquisa para otimizar esses modelos e garantir uma boa qualidade da floresta em restauração associada ao uso econômico das áreas!

 

Luiz Henrique Cosimo

Engenheiro Florestal

Coordenador Operacional GT Restauração

 

 

Sebastião Venâncio Martins

Prof. Titular DEF/UFV 

Líder Técnico GT Restauração